sábado, 31 de dezembro de 2016

D. João VI "O Clemente" (1816 - 1826)

D. João VI
D. João VI tornar-se-ia Rei de Portugal apenas com a morte de sua mãe em 1816. Mas a sua governação começa muito antes, em 1792, quando assume a gerência interina do reino (até 1799 em nome de sua mãe, e a partir de então, em nome próprio, já com o título de Príncipe Regente). A governação de D. João VI ficará marcada por inúmeros acontecimentos marcantes para a história de Portugal e para a história Europeia: desde a Revolução Francesa e a guerra na Europa, passando ao Bloqueio Continental, as invasões francesas, a fuga da corte portuguesa para o Brasil, a revolução liberal ou mesmo a independência do Brasil. Foram todos acontecimentos significativos, e logo num reduzido espaço de tempo. O seu reinado foi fortemente atribulado, e viu os seus próprios filhos rebelarem-se contra ele: D. Pedro IV, futuro imperador do Brasil e D. Miguel I, que tentou depô-lo e subir ao trono de Portugal. O próprio D. João VI viria a falecer envenenado, naquilo que foi o culminar de um reinado instável, duro e marcante do ponto de vista da sua governação. D. João VI não havia sido preparado para ser Rei de Portugal. O seu irmão D. José, herdeiro do trono, viria a falecer vítima de varíola em 1788, aos 26 anos, acontecimento que contribuiria para aprofundar a demência de sua mãe, D. Maria I. Antes disso, em 1785, D. João casaria com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do futuro Carlos IV de Espanha, de quem viria a ter nove filhos. D. João VI caracterizava-se por ser um homem profundamente devoto à fé e aos ideais absolutistas. Na altura, o povo português ansiava por um monarca alinhado com os ideais iluministas, mais liberais, algo que vislumbrava no seu irmão D. José. Mas após o falecimento deste, e com a declaração de demência da Rainha D. Maria I, D. João VI aceita a regência do reino mesmo apesar de evidenciar alguma relutância em aceitar o cargo. Com a execução do rei francês Luís XVI no início de 1793, pelas forças revolucionárias, o clima entre as casas reais europeias é tomado pelo medo e pela revolta. Firmam-se pactos e alianças, e Portugal assinaria uma convenção com Espanha a 15 de julho desse ano, e a 26 de setembro com o Reino Unido para combater os franceses. Seguem-se as campanhas do Rossilhão e da Catalunha. Na campanha do Rossilhão, mais conhecida por Guerra dos Pirenéus, Portugal participou ao lado de Espanha e do Reino Unido colocando cerca de 5400 homens ao serviço do exército da coligação. O exército português foi agregado ao contingente espanhol e chegou a conquistar Toulon, na França, em 1793. Mas com a resposta francesa, as forças da coligação foram forçadas a recuar, tendo os franceses chegado a entrar no território espanhol. Esta campanha terminaria com o Tratado de Basileia de julho de 1795, tendo a Espanha chegado à paz com a França. Portugal não participou neste Tratado, pelo que na prática a França se manteve em guerra com Portugal até às invasões napoleónicas. O Tratado representou uma vitória para a nova República Francesa, passando esta a ser reconhecida pela Espanha e conquistando aos espanhóis os territórios das Caraíbas. Mas esta campanha provocaria a ira dos franceses contra Portugal. O reino luso era tido como o elo mais fraco da coligação e com a chegada de Napoleão ao poder em 1799, o Imperador francês obrigaria a Espanha a realizar um ultimato a Portugal, que consistia no fim da aliança com o Reino Unido e na submissão de Portugal a França. Além do mais, os franceses e os espanhóis exigiam o encerramento dos portos portugueses a Inglaterra e a sua abertura aos navios de ambos os países aliados, para além de pagar indeminizações de guerra e rever as suas fronteiras territoriais. D. João VI, que nesta altura já era príncipe regente de Portugal, optou por não romper a aliança do país com o Reino Unido, decisão que motivou a primeira invasão de Portugal em 1801, num episódio que ficaria conhecido na história como a Guerra das Laranjas. Napoleão conseguiu mobilizar 15 mil homens para juntarem-se aos cerca de 30 mil do lado espanhol. As forças espanholas, comandadas pelo primeiro-ministro Manuel de Godoy, não esperariam pelos franceses e invadiriam Portugal, em maio de 1801, quando este contava no máximo com 16 mil homens mobilizados e cerca de 2 mil cavaleiros. Nesta guerra rápida, Espanha conseguiria conquistar diversas praças como Portalegre, Arronches, Castelo-de-Vide, Olivença, Campo Maior entre outros. O sucesso militar espanhol perante um exército português pouco preparado e em número inferior, levou D. João VI a assinar os termos de rendição, através do Tratado de Badajoz (junho de 1801), que instituía a perda a título definitivo da praça de Olivença a favor de Espanha, o encerramento dos portos portugueses aos ingleses, pagamento das despesas espanholas incorridas na guerra por parte de Portugal, entre outros. Durante esta guerra, o próprio Rei D. João VI, além de ser forçado a lidar com os inimigos externos, teria de lidar com a traição da sua própria mulher, filha do Rei Carlos IV de Espanha, que sendo fiel aos interesses espanhóis, tentou depor o seu marido e tomar o poder. D. João VI seria mesmo obrigado a exilar a sua mulher da corte, separando-se os dois a título definitivo a partir de 1805. Apesar do Tratado de Badajoz ter sido assinado por Portugal e Espanha, Napoleão rejeitaria mais tarde os termos de paz acordados, e em 1807, assinaria o Tratado de Fontainebleau com a Espanha que previa a conquista e a partilha do território Português. Importa referir que à época a França rivalizava com a Inglaterra a condição de primeira potência mundial. Mas no seguimento da batalha de Trafalgar, ganha pelos ingleses, os franceses viram-se impossibilitados de no curto prazo tentar qualquer invasão contra Inglaterra. Daí que Napoleão tenha ordenado um bloqueio de todos os portos europeus aos navios ingleses, algo que esperava que afetasse largamente a economia inglesa. No início, o bloqueio seria bem-sucedido, pelo menos a nível político, com quase todos os países europeus a entrarem ao lado dos franceses, inclusivamente a Rússia (embora na prática os ingleses conseguissem aportar em diversos portos europeus). Mas Portugal recusar-se-ia a alinhar efetivamente no bloqueio continental, mantendo os seus portos abertos ao seu antigo aliado inglês. Os franceses decidem então agir contra Portugal, e D. João VI, sabendo que no outubro de 1807 um novo exército se preparava para invadir Portugal, avançaria na realização de um novo tratado com o Rei Jorge III, onde Portugal receberia ajuda para suportar uma eventual fuga da família real portuguesa para o Brasil. Os ingleses retirariam deste acordo novas vantagens para o seu comércio com Portugal, o que dividiu o governo português entre apoiantes da causa francesa e apoiantes da causa inglesa. O acordo com o Reino Unido, mais uma vez, prejudicava os interesses comerciais de Portugal, mas em troca conferia proteção dos ingleses a Portugal caso as forças francesas e espanholas invadissem o país. O Rei D. João VI dividido com a decisão que deveria tomar, optou por aceitar a ajuda dos ingleses e decidiu partir para o Brasil, após tomar conhecimento efetivo que fosse qual fosse o desfecho, era objetivo de Napoleão depor a Casa de Bragança do trono de Portugal. Iniciava-se assim a primeira invasão francesa a Portugal. O exército francês e espanhol, comandado pelo General Junot, chegaria a Lisboa a 30 de novembro de 1807. Este exército era constituído principalmente por forças inexperientes e mal preparadas, mas o Rei D. João VI, desconhecendo este facto, decide partir para o Brasil na véspera e nomeia um Conselho de Regência para gerir o país. A partida foi tumultuosa e revoltante para a população de Lisboa, que via o seu príncipe regente partir, com sua mãe e seus dois filhos (D. Pedro e D. Miguel). D. João também levaria consigo D. Carlota, sua esposa, mas seguiriam em barcos diferentes. Portugal é invadido por forças espanholas e francesas tanto a norte como a sul do país (só franceses seriam cerca de 30 mil homens). Com a chegada da corte portuguesa ao Brasil a 22 de janeiro de 1808, D. João VI declara guerra aos franceses e levantamentos populares começam a decorrer em Portugal. Em Espanha, Napoleão tentaria depor a monarquia espanhola e colocar no trono o seu irmão José Bonaparte. O plano de Napoleão torna-se num volte-face nesta guerra, e os espanhóis abandonam Portugal para se impor no território espanhol contra as forças de Napoleão. Na Figueira da Foz, desembarcariam cerca de 16 mil homens britânicos comandos por Arthur Wellesley (futuro Duque de Wellington), que a juntarem-se a cerca de 6 mil portugueses, partem para o confronto com o remanescente das forças franceses existentes em Portugal, que face à mobilização para a guerra em Espanha, já não seriam mais de 12 mil homens. A vitória das forças anglo-portuguesas é conseguida nas batalhas da Roliça e do Vimeiro e Portugal seria libertado do domínio francês. Os franceses tentariam duas novas invasões a Portugal, em 1809 e 1810, mas as tropas anglo-portuguesas conseguiriam sempre mobilizar-se em favor da defesa do território português, e contariam inclusivamente com a ajuda das forças espanholas que desde 1809 se tornariam também elas aliadas dos ingleses. A guerra peninsular marcaria um volte-face na ascensão de Napoleão a níveis europeu, firmando o domínio do poderio inglês. O território português ficaria finalmente liberto do perigo francês após os êxitos militares alcançados nas Batalhas do Buçaco e das Linhas de Torres, a 27 de setembro e 14 de outubro de 1810, respetivamente. Apesar do rol de acontecimentos que ocorria em Portugal, a atenção do Rei D. João VI e da sua corte, passou a centrar-se cada vez mais no Brasil, deixando para segundo plano o objetivo de regressar a Portugal. O Rei iniciaria um profundo processo de modernização da colónia, dado que ao fixar-se no Rio de Janeiro, se viu também confrontado com a incapacidade da cidade em acolher a chegada massiva de portugueses (só com o Rei partiriam 15 mil portugueses para o Brasil). A instalação da corte no Rio de Janeiro teve um grande impacto social na altura: como a cidade não estava preparada para acolher uma população tão grande, os impostos subiram, os mantimentos era insuficientes, e a cidade viveu uma fase intensiva de edificações de casas, palacetes e outras estruturas ou edifícios. O Rei decidiria também abrir todos os portos brasileiros a todas as nações amigas, uma medida que permitiria dinamizar a economia brasileira e cria diversas escolas no Brasil. A abertura da economia Brasileira beneficiou essencialmente os britânicos e prejudicou os comerciantes portugueses mas permitiu desenvolver economicamente o Brasil, lançando-se também incentivos à produção agrícola, em especial a cultura do algodão, arroz e da cana-de-açúcar. Com a mudança da corte para o Brasil, criar-se-iam todas as condições administrativas e as estruturas necessárias para conduzir o Brasil rumo à independência. A presença da corte introduziu também novos costumes e modas na sociedade do Rio de Janeiro. Entretanto, D. João VI pode também por em prática um plano de retaliação contra os franceses. Planeou a invasão da Guiana Francesa em 1809, antes dos grandes problemas económicos advindos do novo tratado firmado com o Reino Unido se fazerem sentir (onde o deficit público aumentaria consideravelmente e o Banco do Brasil chegaria mesmo a falir). A Guiana Francesa foi conquistada pelas tropas fiéis a D. João mas o Tratado de Viena de 1817, firmado após a derrota de Napoleão, em 1815, restabeleceria a Guiana Francesa de volta para o governo francês. Curiosamente, o Tratado de Viena é antecedido pelo Congresso de Viena de 1815, Congresso esse que permitiu a elevação do Brasil à condição de Reino Unido a Portugal. Assim, a 16 de dezembro de 1815, é criado o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Com a morte de D. Maria I em março de 1816, D. João pode finalmente assumir o trono de Portugal como Rei, embora enfrentando as contínuas conspirações de sua esposa Carlota Joaquina, que lutava com todos os meios para conseguir governar à força, fosse pela deposição do marido, fosse através do papel de regente de Espanha ou ainda como rainha de um novo reino a ser criado nas colónias espanholas. Com esta vontade, convenceu D. João a tomar Montevidéu em 1817 e anexar a Província Cisplatina em 1821 (atual território do Uruguai). D. João ainda se encontrava no Brasil, quando o povo português começaria a pressioná-lo para o seu regresso. Portugal continental era na altura um protetorado britânico, sendo governado pelo marechal William Beresford. Como o país atravessava um severo período de fome, o palco para a revolução liberal portuguesa começava a montar-se. As cortes já não reuniam desde 1698 em Portugal, mas a 30 de janeiro de 1821 em Lisboa, e na ausência do Rei, as Cortes acabariam por reunir-se, decretando a formação de um Conselho de Regência. Este Conselho de Regência optou por libertar os presos políticos existentes e exigir o regresso imediato do Rei. O Rei D. João VI, sendo notificado do sucedido, opta por nomear o seu filho D. Pedro como Regente do Brasil e parte para Lisboa, onde desembarcaria a 3 de julho. Mas pouco tempo depois, o Brasil declararia a sua independência, a 7 de setembro de 1822, quando D. Pedro assume o título de imperador do Brasil. Em Portugal, o Conselho de Regência, que entretanto aprovara a carta constitucional, apela ao Rei que a aceite, optando D. João VI por a jurar e aceitar defender aquela que ficou conhecida como a Constituição liberal de 1 de outubro de 1822. Dona Carlota, pelo contrário, opta por não jurar a Constituição e é-lhe negado o título de Rainha de Portugal. Apesar da esperança que a revolução liberal portuguesa traria ao povo lusitana, especialmente a favor de um progresso económico e social mais célere, os problemas internos de Portugal manter-se-iam e o liberalismo enfrentaria um período de vida curta. A 23 de fevereiro de 1823, estala em Trás-os-Montes uma revolta liderada pelo movimento absolutista. E a 27 de maio o infante D. Miguel, instigado pela própria mãe tenta encabeçar outra revolta e instaurar o absolutismo em Portugal. O Rei D. João VI, compreendendo que não poderia fragilizar mais a sua família, decide restaurar a monarquia absoluta, deportando alguns liberais e reprimiu diversas manifestações. Mas a aliança entre o Rei e o seu filho D. Miguel seria parca em resultados, pois este, sempre manipulado por sua mãe, decide colocar o seu pai sob custódia, na chamada Abrilada, em 29 de abril de 1824. O infante tentou com isto forçar a abdicação de seu pai mas seu pai resistiu e mandou exiliar D. Miguel. Mais tarde, o próprio Rei ordenaria a prisão domiciliária de sua mulher, no Palácio de Queluz. Com o reconhecimento da independência do Brasil a ocorrer a 29 de agosto de 1825, inicia-se um novo período de decadência económica para Portugal, dado que o Brasil era a maior fonte de receitas da metrópole portuguesa. O Rei D. João VI, ainda assistiria aos efeitos nefastos de uma nova crise económica despoletada em Portugal, mas viria a falecer no dia 10 de março de 1826, sob suspeitas de envenenamento por arsénio, ficando como Regente a sua filha infanta Isabel Maria, mas D. Pedro, até então imperador do Brasil, assumiria mais tarde o trono como D. Pedro IV de Portugal. Apesar de um reinado atribulado, no legado do Rei D. João VI ficariam a criação da Imprensa Régia, do Jardim Botânico e da Fábrica da Pólvora.

Principais pontos a destacar na governação de D. João VI:
• Gere as invasões francesas de forma muito delicada, tendo decidido evacuar a corte portuguesa para o Brasil;
• Firma novo acordo com o Reino Unido para garantir a proteção de Portugal face aos interesses bélicos de França e Espanha, acordo esse que se revela bastante prejudicial à economia portuguesa;
• Investe fortemente na modernização do Brasil, criando as estruturas administrativas necessárias para assegurar os bons trabalhos da corte portuguesa. No entanto, a criação destas estruturas só facilitaria a independência da colónia;
• Regressa a Portugal num ambiente de grande pressão social, com a fome instalada no país e com a revolta liberal já consumada. Ainda enfrenta a revolta absolutista comandada pelo seu filho D. Miguel;
• Aprova a Constituição Liberal de 1822, marcando o início de um caminho inevitável rumo a um ambiente político e social mais democrático.

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